Thaíssa de Freitas Cavalcante
Renata S. Longo Kalassa
Os empreendimentos lojistas franqueados ocupam hoje, visivelmente, a maior parte dos espaços nos shopping centers e centros comerciais do país. O sistema de Franchising responde por aproximadamente 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB)[1] e emprega diretamente mais de 1,4 milhão[2] de trabalhadores. Trata-se de via para quem deseja expandir um negócio ou uma marca, em tese, já consolidada e testada no mercado, buscando, para tanto, investimentos financeiros de outros empresários.
Deste modo, no intuito de expandir uma marca ou negócio no mercado, seja de produtos ou de serviços, o sistema de Franchising é conhecido por utilizar recursos de terceiros neste processo de expansão, mediante a adoção de um modelo bastante lucrativo para quem opta por franquear sua marca, eis que a empresa franqueadora pode obter ganhos de diferentes formas, seja mediante a cobrança da taxa de franquia, de royalties mensais, ou mesmo através do fornecimento de insumos ou de produtos próprios pela franqueadora, tudo isso, garantido contratualmente pelos investidores, os franqueados da marca.
De outro lado, ao contratar com uma franqueadora, os franqueados esperam receber a transferência de know-how de um modelo de negócio de sucesso, com uma marca já sólida que, por consequência, venha a viabilizar a captação e a manutenção de uma carteira de clientes que lhes tragam lucros.
Configura negócio jurídico de trato sucessivo, em decorrência do prolongamento da relação contratual no tempo, e com delimitação territorial, tendo em vista que, em regra, não é permitido ao franqueado a distribuição de produtos ou serviços concorrentes, existindo cláusula de exclusividade. As prestações e as contraprestações assumidas são contínuas, durante a vigência do negócio jurídico.
Consideradas tais características, o contrato de franquia tem por essência obrigações sucessivas e permanentes, principalmente tendo em conta que o prazo de duração do contrato deve permitir ao franqueado a recuperação do seu capital investido.
Todavia, em que pese o contrato de franquia busque a manutenção de uma relação comercial na qual se espera que todos lucrem, devem ser sopesados os riscos decorrentes deste tipo de acordo.
Se, por um lado, a franqueadora tem a necessidade de expandir sua marca ou negócio através de investidores comprometidos com o sucesso da unidade franqueada, por outro lado os franqueados precisam averiguar se a contração não lhes impõe cláusulas demasiadamente onerosas, muito difíceis de serem cumpridas diante das circunstâncias e dos riscos inerentes a qualquer negócio.
A existência de inúmeros processos judiciais em que se discute as contratações e as relações de franquia, mostra ser indispensável que, tanto a implantação do sistema de franchising pela franqueadora bem como a contratação pelos potenciais franqueados, sejam realizadas mediante assessoria jurídica, impondo-se a análise rigorosa dos termos e condições do negócio e de todos os instrumentos legais que irão consolidá-lo.
Nesta senda, importante destacar que os contratos de franquia são firmados por meio da adesão dos franqueados às cláusulas elaboradas no termo redigido pela franqueadora. Tal característica leva à necessidade da busca pelo equilíbrio contratual, já que, eventualmente, o contrato elaborado pela franqueadora pode encerrar certa vulnerabilidade do franqueado com relação às suas disposições, algumas bastante técnicas.
Vale ainda salientar que a caracterização da contratação por adesão não ocorre em razão do seu objeto, mas sim pela forma do consentimento do contrato, manifestado como simples adesão a conteúdo pré-estabelecido da relação jurídica.
Deste modo, ainda que, em alguns casos, as condições do negócio possam ser debatidas, no tocante à forma e o prazo de pagamento, por exemplo, o instrumento oferecido ao franqueado é formado por cláusulas contratuais inseridas no documento de forma impositiva pela franqueadora.
É o caso, a título de exemplo, da cláusula arbitral, incluída no contrato de franquia por opção exclusiva da franqueadora.
Abstraindo-se do cenário de franquia, certo é que, regra geral, a convenção arbitral celebrada livremente pelas partes contratantes, quando arguida em um processo judicial, implica a extinção do feito sem julgamento do mérito.[3] Todavia, quando prevista em contrato de adesão, deve ter a concordância expressa e inequívoca do aderente, devendo ser estabelecida por escrito em documento apartado ou ainda, em negrito, com assinatura ou visto específico para a cláusula, sob pena de nulidade.[4].
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão recente, proferida em 22/12/2022, anulou cláusula arbitral que impedia o acesso de um franqueado ao Poder Judiciário, sob o fundamento de que havia sido identificado no contrato um compromisso arbitral “patológico”, ou seja, sem a concordância inequívoca do franqueado (TJSP, Apelação Cível n. 1003513-24.2020.8.26.0271, julgada em 22/12/2022). [5]
Neste mesmo sentido, em também recente julgamento do Recurso de Apelação nº 1006072-45.2021.8.26.0100, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aprofundou o debate sobre a questão da hipossuficiência dos franqueados diante das franqueadoras, consignando que, ainda que o franqueado tenha manifestado livremente a sua vontade, concordando com a inserção da cláusula arbitral na oportunidade da assinatura do contrato, teria ocorrido “evidente violação dos deveres de informação e de transparência da franqueadora”, uma vez ausente a informação quanto ao custo de um processo arbitral.
Também é controverso e, recorrente nos tribunais pátrios, o debate quanto à inclusão de cláusula de eleição de foro, igualmente imposta de forma potestativa em muitos contratos de franquia. A cláusula que elege foro específico pode ser considerada nula caso fique comprovada a hipossuficiência ou vulnerabilidade técnica do franqueado perante a franqueadora, ou ainda, a dificuldade do franqueado de pleno acesso Judiciário.
Em julgado do Superior Tribunal de Justiça[6], de relatoria da Exmo. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, foi decidido pela nulidade de cláusula de eleição de foro nestas condições:
A cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão, é nula de pleno direito, tendo em vista que coloca o franqueado em desvantagem em relação ao franqueador, dificultando-se assim o exercício da ampla defesa e do contraditório
No caso acima julgado pelo STJ, restou comprovada a hipossuficiência do franqueado em relação à franqueadora, haja vista o poder econômico e a presença nacional desta última frente ao modesto capital social do seu franqueado. Assim, fosse mantido o foro eleito em contrato, o franqueado teria seu acesso ao Judiciário prejudicado, tendo a garantia de sua plena defesa comprometida.
Por outro lado, é válido também mencionar que, ante a vulnerabilidade do franqueado, atribui-se à franqueadora o ônus de comprovar que efetivamente prestou toda a assistência e informações necessárias para implantação e manutenção do negócio.
Portanto, é possível concluir que, em que pese a expectativa de vantagens recíprocas no sistema de Franchising, muitas questões relacionadas aos contratos de franquia chegam ao Judiciário – o que eventualmente seria evitado mediante aconselhamento jurídico preventivo dos envolvidos – a exemplo dos temas recorrentes ora mencionados, além de outros, reiteradamente debatidos nos Tribunais Estaduais e Superiores. Por fim, caso o litígio judicial seja inevitável, a interpretação do contrato de franquia e a solução a ser adotada devem, sempre que possível, buscar equilibrar eventuais desigualdades havidas entre os contratantes, em especial nos casos de demonstrada hipossuficiência dos franqueados perante as franqueadoras.
[1] Dados divulgados pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) em https://www.abf.com.br/a-abf/.
[2] Dados divulgados pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) em https://www.abf.com.br/a-abf/.
[3] Artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil.
[4] Requisitos extraídos do §2º do art. 4º da Lei n° 9.307/1996 (Arbitragem).
[5] TJSP, Apelação Cível n. 1003513-24.2020.8.26.0271, ALEXANDRE LAZZARINI, Data do Julgamento: 22/12/2022.
[6] STJ – AREsp: 1105342 PR 2017/0117676-0, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 09/08/2017.