Suzana Martins Sandoval de Mattos
Natalí Rocabado
O capital social de uma empresa é composto pelos bens que o empresário transfere de seu patrimônio pessoal para a sua empresa (“integralização”), passando a constituir patrimônio próprio da empresa. Trata-se da materialização do princípio da separação patrimonial e do limite de implicação do patrimônio pessoal do sócio (quando não estão presentes as causas de desconsideração da personalidade jurídica).
O empresário pode transferir não apenas dinheiro, mas também quaisquer bens móveis, imóveis, corpóreos e incorpóreos, desde que tais bens sejam passíveis de avaliação em dinheiro (artigo 997, III do Código Civil, 7º da lei das S/A), ou seja, qualquer bem que tiver valor monetário aferível poderá compor o capital social de uma empresa.
Em outubro de 2020, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), vinculado ao Ministério da Economia, em resposta à consulta feita pela Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP, confirmou a possibilidade de integralização do capital social mediante a transferência de CRIPTOMOEDAS. A confirmação foi realizada por meio do Ofício Circular SEI 4081/20,do endereçado a todas as Juntas Comerciais dos estados-membros, definindo as seguintes questões:
1. Natureza jurídica. As criptomoedas são bens incorpóreos que podem ser avaliados por valor pecuniário.
A Receita Federal reconhece que são ativos financeiros, nos termos da IN 1.888/19, que definiu a obrigatoriedade de sua declaração.
No entanto, as criptomoedas não estão expressamente incluídas no conceito de valores mobiliários, reconhecidos pela CVM e dispostos no art. 2º da lei 6.385/76.
O Banco Central, por sua vez, se posicionou por meio de comunicados afirmando que as criptomoedas são moedas virtuais que não se confundem com as moedas eletrônicas tratadas na lei 12.865/13.
Assim, observa-se que ainda temos uma classificação incipiente, que neste momento não se submete à regulamentação da CVM e nem do Banco Central.
2. Integralização do capital social. Dada a natureza jurídica das criptomoedas como ativos financeiros, o Ministério da Economia entendeu pela possibilidade de sua utilização para a integralização do capital social da sociedade.
O entendimento encontra fundamento nos artigos 997, III, do Código Civil e 7º da lei 6.404/76, que definem de forma bastante ampla quais são os bens que podem ser contidos no capital social de uma empresa: “qualquer espécie de bem, suscetíveis de avaliação pecuniária/em dinheiro”.
3. Procedimento. Não há, ainda, formalidades específicas para a integralização das criptomoedas no capital social, devendo as Juntas Comerciais aplicarem as mesmas nomas aplicáveis à integralização dos bens móveis.
Para a transferência de um bem móvel para a Sociedade, basta que o seu titular realize a entrega deste bem (denominada pelo Código Civil de “tradição”).
O ato deve ser formalizado no contrato social com a descrição detalhada do bem, seu valor pecuniário e a participação societária conferida àquele que realizou a tradição.
Conclusão. Os esclarecimentos do Ministério da Economia sobre o procedimento de integralização de criptomoedas no capital social de uma empresa demonstram que ainda estamos em um estágio inicial da normatização referente aos criptoativos no Direito Societário – e às tecnologias Blockchain1 de uma forma geral, pendendo de definição a maneira como ocorrerá a “tradição” da criptomoeda para a sociedade, assim como se serão aceitas todas as espécies de criptomoeda.
Outra questão espinhosa a ser regulamentada (por lei e/ou pela doutrina e jurisprudência) se relaciona à compatibilização da inerente oscilação de valor das criptomoedas com a responsabilidade legal quinquenária e solidária de todos os sócios “pela exata estimação de bens conferidos ao capital social” (artigo 1.055, §1º do CC, com correspondência parcial no artigo 8º, §6º da lei das S/A).
Enfim, muitas são as lacunas a serem preenchidas, mas, ante o aumento de sua utilização e crescente importância econômica, a tendência é de que no curto prazo torne-se corriqueira a utilização de criptoativos para a integralização de capital social de empresas.
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1 A blockchain (também conhecido como “o protocolo da confiança”) é uma tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Funciona como um livro-razão, só que de forma pública, compartilhada e universal, que cria consenso e confiança na comunicação direta entre duas partes, ou seja, sem o intermédio de terceiros. (…)A blockchain é vista como a principal inovação tecnológica do bitcoin visto que é a prova de todas as transações na rede. Seu projeto original tem servido de inspiração para o surgimento de novas criptomoedas e de bancos de dados distribuídos. (disponível clicando aqui,acesso em 21.4.21)