Gabriela Simidamore Ferreira
Suzana Martins Sandoval de Mattos
Entrou em vigor, no dia 22 de outubro de 2022, a Lei nº 14.451/2022, que promoveu importantes mudanças nos quóruns deliberativos das sociedades limitadas, reguladas pelo Código Civil (“CC”).
A alteração promovida pela lei visa a flexibilizar a tomada de decisões nas sociedades limitadas, reduzindo o quórum mínimo necessário para aprovação das matérias insculpidas nos artigos 1.061 e 1.071, incisos V e VI, do Código Civil, quais sejam: (i) a designação de administradores não sócios; (ii) a alteração do contrato social; (ii) a incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou cessação do estado de liquidação.
Antes da entrada em vigor da referida lei, o Código Civil de 2002 previa, por exemplo, que para a nomeação de administrador não sócio antes da integralização do capital social seria necessária a aprovação de 100% do capital social e que para a modificação do contrato social, ainda que para deliberação sobre matérias típicas e corriqueiras – como alteração de endereço social, ou mudança de regras para convocação de reunião de sócios -, era necessário um quórum de, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do capital social.
Apesar da Sociedade Limitada ser o tipo societário mais utilizado no Brasil, os quóruns mínimos injustificadamente elevados, que até então eram previstos na norma civil, dificultavam o exercício do controle societário e traziam, por vezes, diversos entraves às sociedades limitadas, dificultando a captação de investimentos, retardando a tomada de decisões e burocratizando em demasia o processo deliberativo, que dependia, em diversas ocasiões, da formalização de acordos de voto ou de controle ou de estruturas para que se chegasse ao quórum mínimo exigido pela lei – conjuntura que caminhava na contramão dos anseios sociais e econômicos.
Não por outro motivo, o quórum previsto no Código Civil era alvo de diversas críticas entre os operadores do direito. Como apontado pelo professor e ex-presidente da Junta Comercial de São Paulo, Armando Luiz Rovai, “o ordenamento jurídico empresarial é lamentavelmente confuso”, criando um cenário de insegurança jurídica na atividade negocial.
Segundo o jurista, um dos fatores que contribuíam para perpetuação desse estado de insegurança, era, justamente, a exigência de um quórum de deliberação elevado, que não considerava a natureza da matéria em discussão:
“O atual ordenamento jurídico empresarial lamentavelmente é confuso. Apenas, por oportuno, alguns exemplos que podem ser citados: (…) a previsão de quórum de deliberação variado e, em alguns casos, inexplicavelmente elevado segundo a matéria a ser deliberada pela assembleia ou reunião de sócios da sociedade limitada (CC, arts. 1.061, 1.063, §1º, 1.071 e 1.076)” [1] – grifou-se.
Em atenção às massivas críticas advindas de diversos setores, e a necessidade de desburocratizar o tipo societário das sociedades limitadas, iniciou-se um processo legislativo para redução dos quóruns, inaugurado pela Lei 13.792/2019, que reduziu o quórum do artigo 1.063, §1º[2], seguida pela Lei nº 14.451/2022, que tornou a maioria absoluta do capital social, ou seja, 50% + 1 quota, o quórum legal de deliberação mais elevado, com exceção das hipóteses específicas de transformação do tipo societário não prevista no contrato social (artigo 1.114) e de nomeação de administrador não sócio antes de integralizado o capital social, cujo quórum passou a ser de 66,66% ou 2/3 do capital social.
Em termos práticos, isso implica dizer que o controle das sociedades limitadas, que antes era assegurado apenas a quem detinha, no mínimo 75% do capital social, passará a ser exercido, de maneira geral (com as pontuais exceções acima indicadas), pelo (s) sócio (s) detentor (es) de, no mínimo, 50% +1 quota do capital social da sociedade – assim como ocorre nas sociedades anônimas[3] desde 1976.
Convém ressaltar que, não obstante as Leis nº 13.792/2019 e 14.451/2022 tenha reduzido o quórum mínimo legal para aprovação de certas matérias de interesse das sociedades limitadas, não existe qualquer impedimento para que os sócios estabeleçam um quórum superior ao previsto na legislação – formalizando esta previsão no próprio contrato social ou através de acordo de sócios. Apenas nas hipóteses em que os sócios não convencionem quórum superior, é que valerá o estabelecido pelas recentes leis. Assim, as alterações legais apenas ampliaram a liberdade dos sócios de definirem os quóruns como melhor se adequar a cada relação societária.
Assim sendo, não há dúvidas de que as alterações promovidas pelas leis de 2019 e 2022 vão ao encontro dos anseios do mercado e são amplamente benéficas às sociedades limitadas, trazendo maior dinamismo às deliberações sociais e diminuindo a burocracia que cingia o referido tipo societário, que acabava por dar aos sócios minoritários poderes de ‘travar’ determinadas deliberações importantes para a sociedade.
Destarte, as mudanças introduzidas prestigiam o princípio majoritário, conferem maior agilidade às tomadas de decisões e fomentam o ambiente de negócios.
Para melhor identificação, segue quadro indicativo dos quóruns legais mínimos atualmente aplicáveis às sociedades limitadas:
[1] ROVAI, A. L.: Registro Empresarial: da constituição das empresas, suas alterações e distratos – incertezas e burocracia que emperram o desenvolvimento e contribuem para a insegurança jurídica. REVISTA DE DIREITO BANCÁRIO DO MERCADO DE CAPITAIS E DA ARBITRAGEM, v. 77, p. 135-144, 2017.
[2] Reduziu de 66,66% para 50% + 1 quota o quórum para destituição de sócio nomeado administrador no contrato.
[3] Nas sociedades por ações – exceto nas hipóteses em que acordo de acionista ou o estatuto social estabelecerem de forma diferente – o quórum para deliberação é formado pela maioria absoluta das ações com direito a voto: “Art. 129 da Lei das S.A -As deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco” – grifou-se.