Pedro Soares Gabriel
Ciro José Callegaro
Influenciadores Digitais e seu espaço no mercado
Com o advento das redes sociais, ocorreu um processo de virtualização das interações humanas, superando as barreiras físicas, geográficas e temporais entre as pessoas, o que facilitou as trocas de informações. O surgimento de plataformas online, em especial das mídias digitais, permitiu a diversas personalidades a alternância de sua exposição nos ambientes mais delimitados das mídias tradicionais (programas de entrevista, por exemplo), e no ambiente digital, mais livre e de produção direta, como blogs, vlogs, youtube, podcasts, e, mais recentemente, as demais mídias sociais.
Em paralelo, o ambiente virtual democratizou e barateou a geração, produção e reprodução de conteúdo, dando voz e permitindo a exposição de diversas novas personalidades (já anteriormente famosas ou não), seja para a apresentação de conteúdo técnico (investimentos, nutrição, maquiagem, etc.), seja para expressão artística (músicas, danças, humor, cotidiano), voltadas ao público difuso (ainda que por meio de canais fechados, mas de conteúdo pago).
Essas pessoas, expositoras de conteúdo no ambiente digital, criaram e vem preenchendo nova posição no mercado, e que se identificam como “influenciadores digitais”.
Com atuação atualmente mais concentrada no Instagram, Facebook, Twitter, Youtube, Tik Tok e Twitch, o número de influenciadores digitais no Brasil já se equiparou ao de médicos e superou o de engenheiros civis e dentistas, de acordo com estudo promovido pela multinacional Nielsen Media Research [1].
Não à toa, que o Brasil lidera o ranking mundial no percentual de pessoas que realizaram uma compra por conta da influência de alguma celebridade ou influencer. Número este, que chegou a quase 50%, em 2022, conforme atestado pela pesquisa Statista Global Consumer Survey. [2]
Buscando a própria relevância, as plataformas em geral remuneram os (re)produtores de conteúdo, baseado em complicados cálculos de views, likes, subscribes e follows, dentre outras métricas, o que representou o início da profissionalização destas iniciativas, e passou a atrair mais pessoas interessadas em produzir/reproduzir conteúdo. Na sequência, o mercado entendeu a importância da exposição destes novos canais de comunicação com o público em geral, e passou a explorá-los em ações de marketing digital, com elevada abrangência de público, e, via de regra, baixo custo.
Assim, a publicidade que antes era veiculada por rádio, televisão, revistas e jornais, que são ambientes notadamente difusos, ainda que se tratasse de canais específicos, vem sendo cada vez mais promovida em ações veiculadas em perfis de influenciadores digitais nas redes sociais, estratégia que potencializa o acesso ao público-alvo.
Estas inserções publicitárias podem tanto ser produzidas pelo interessado, que elegerá atores para protagonizá-las, como protagonizadas pelos próprios titulares dos canais, o que vem sendo cada vez mais comum, e condizente com a própria identidade do canal.
Em linhas gerais, os canais dos influenciadores digitais vem sendo utilizados também como veículo de transmissão de publicidade, identificada como tal, à semelhança da televisão, rádio, revistas e jornais; merchand, à semelhança de programas específicos tradicionalmente veiculados nas mídias sociais; e publicidade personalizada, associada ao próprio influenciado digital, que fará às vezes de “garoto(a) propaganda” e de detentor do canal de veiculação.
Sendo assim, é relevante discutir em quais hipóteses os influenciadores digitais integrarão a cadeia de consumo dos produtos e serviços por eles expostos em seus canais, especialmente considerando a identidade com seu público alvo, e capacidade de influenciar seu comportamento.
A participação dos influenciadores na cadeia de consumo e a extensão de sua responsabilidade perante os consumidores
Embora o Influenciador tenha assegurada a sua liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, caracterizada como direito humano inviolável, independente de censura ou licença, pelos artigos 5º, inciso IX e 220, ambos da Constituição Federal [3], deve sempre respeitar os direitos inerentes às demais pessoas, em especial dos consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), publicado em 1990, quase duas décadas antes da popularização das redes sociais, não tratou explicitamente das relações jurídicas envolvendo os consumidores e estes novos profissionais. Contudo, assim como incide toda a legislação nacional sobre os canais de veiculação de conteúdo digital, também incide o CDC, assumindo o usuário final a posição de “consumidor”, e o canal (voltado à produção ou reprodução de conteúdo a público difuso) a de “fornecedor” naquele relacionamento direto, salvo canais de conteúdo pessoal, sem cunho comercial.
Nesse contexto, selecionamos quatro das principais modalidades de relação de consumo que poderão ocorrer entre os influenciadores digitais e os consumidores, inclusive simultaneamente, em mesma exposição de conteúdo.
Antes, porém, é necessário lembrar que a maior parte dos produtos e serviços possui algum tipo de regulamentação e/ou processo de validação prévia antes de ser possível sua colocação no mercado, como, por exemplo, a necessidade de prévio registro de cosméticos perante a ANVISA, de eletrônicos com comunicação telemática perante a ANATEL, de aprovação de planos de saúde perante a ANS, de certificação de brinquedos perante o INMETRO, e assim por diante.
Assim, quando o influenciador atua como garoto propaganda, ou veicula em seu canal determinado produto ou serviço, não há obrigação de superar a presunção de adequação deste, especialmente no caso de se tratar de produto ou serviço sujeito a regulação.
(i) Disponibilização de espaço publicitário no canal do influenciador digital, para divulgação de publicidade de produtos e serviços de terceiros, claramente identificada como tal:
Nesta hipótese, o influenciador atua de forma semelhante às mídias tradicionais, e das próprias plataformas (como Youtube e Meta), assim, sua responsabilidade se limitará apenas no caso de continuar a veicular publicidade de fornecedor, produtos ou serviços que notoriamente se mostrarem inadequados, ressalvando-se o fato de que deve ser respeitada a própria capacidade do influenciador digital de verificação da legitimidade daquela publicidade.
Dependerá, ainda, da demonstração de que o consumidor não teria como ter acesso ou compreender a divulgação de fatos relevantes da notória inadequação daquele produto ou serviço.
(ii) Produção de conteúdo primariamente de viés publicitário (como unboxing e práticas correlatas), atuando apenas com a indicação de produtos e serviços vendidos por terceiros:
Nesta hipótese, o influenciador atuará como garoto(a) propaganda, e sua responsabilidade pela legitimidade da publicidade também se limita ao caso de persistir na veiculação de produtos ou serviços que não atendam às expectativas do consumidor por se mostrarem devidamente e publicamente comprovada a inadequação para o fim a que se destina.
Por esta razão, merece reforço a necessidade de o influenciador buscar conhecer previamente a marca e o produto ou serviço para o qual estará emprestando a sua credibilidade, sob o risco de abalar a sua imagem pública, em casos de acontecimentos que gerem repercussão negativa da própria marca ou de seus produtos. Como exemplo disso, temos o caso do ator Tony Ramos, que atestava pela qualidade da carne comercializada pela marca Friboi, mas acabou tendo sua imagem abalada, quando sugiram na mídia denúncias de corrupção envolvendo a detentora da marca (JBS).
(iii) Produção ou reprodução de conteúdo com claro intuito de entretenimento (por exemplo, danças, músicas, intervenções humorísticas, curiosidades gerais), voltado ao público usualmente difuso (não particular), portanto extrapolando o âmbito pessoal, com ou sem remuneração pelas plataformas:
O número de seguidores, inscritos, views, likes e comentários qualificam o influenciador a ser remunerado pela plataforma, proporcionalmente ao nível de interação na plataforma utilizada, e o esforço na prestação de um serviço organizado o caracterizará como “fornecedor”, portanto este será responsável pelo que está produzindo, nos termos dos artigos 14 e 20, CDC.
Dessa forma, seu conteúdo, embora tutelado pela liberdade de expressão, é limitado ao respeito pelos direitos humanos, leis do país em que se encontra e pela política da própria plataforma que utiliza, não podendo conter qualquer manifestação que viole os direitos de terceiros. Por exemplo, não é lícito ao influenciador incitar comportamentos que eventualmente poderão causar danos ao usuário ou a terceiros.
(iv) Produção ou reprodução de conteúdo sobre determinada área do conhecimento, sendo responsáveis direto pela qualidade deste conteúdo, como fornecedores primários, inclusive respondendo no caso de exercício ilegal de profissão:
O próprio conteúdo veiculado nestes canais ou nestas iniciativas é fruto do trabalho intelectual daquele influenciador, correspondendo ao “produto”, nos termos leigos. Enquadrando-se este como fornecedor, assume, portanto, responsabilidade pela sua qualidade e por eventuais danos causados aos consumidores, podendo, inclusive, resultar no dever de indenizá-los, conforme prevê os artigos 18 a 20 do Código de Defesa do Consumidor, e o artigo 927 do Código Civil.
Pode ocorrer, também, que a persona do influenciador, por suas credenciais e número de seguidores, emprestem também credibilidade ao objeto da exposição (seja uma exposição institucional do fornecedor, do produto ou serviço), como, por exemplo, um nutricionista que faça a publicidade de um suplemento; um head de investimentos que recomende determinado ativo (sendo pago para tanto); um personal trainer que oriente a aquisição de determinado equipamento, de determinada marca.
Nesta hipótese, claramente se extrapola a figura do “garoto(a) propaganda”, pois o influenciador tem plenas condições de aferir, de fato, a qualidade do produto ou serviço de terceiro por ele validada e, quanto a este ponto, poderá ser responsabilizado no caso de danos ao consumidor, caso o produto ou serviço divulgado não esteja de acordo com a regulação, ou caso a comunicação claramente encerre irregularidades.
Implicações da veiculação de propaganda ilícita por Influenciadores Digitais
Segundo o Código de Defesa do Consumidor e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) – órgão que regulamenta a publicidade – esta é considerada ilícita, quando for enganosa ou abusiva. [4] Diz-se enganosa quando induz o consumidor a erro, por omitir ou passar informações total ou parcialmente falsas sobre o produto e/ou serviço oferecido. Por outro lado, abusiva é a publicidade antiética, que viola valores morais e éticos da sociedade, de cunho discriminatório, violento e desleal.
Nas palavras da professora Claudia Lima Marques, é “a publicidade antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor, que fere valores sociais básicos, que fere a própria sociedade como um todo.” [5]
O legislador entendeu a importância de proteger o consumidor da publicidade clandestina/oculta/velada, razão pela qual a lei determina que a sua veiculação seja fácil e imediatamente identificada, para que ele possa, então, decidir com mais consciência se vai ou não adquirir o bem oferecido.
Nesse plano, o artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor veda a produção de conteúdo publicitário, sem que identificado como tal, pois estaria interferindo na formação de convencimento do consumidor, na sua vontade real de consumir. Por isso, é bastante comum a identificação de determinado post com hashtags como #publicidade, #publi, #anúncio, #merchan, etc., cabendo a discussão, caso a caso, acerca da suficiência de tal identificação.
Dessa forma, quando o consumidor é lesado pela veiculação de publicidade ilícita, apenas os fornecedores seriam responsáveis pelos danos gerados nos consumidores, enquanto os influenciadores (aqui equiparando-se às agências de publicidade e celebridades) apenas podem vir a responder, nos casos em que ocorra a insistência na veiculação de propaganda já identificada e devidamente comprovada como ilícita, ou naqueles casos em que deveria ter conhecimento da ilicitude da publicidade.
Como explica o professor Paulo Jorge Scartezzinni Guimarães, as celebridades “devem cumprir seu dever jurídico originário, agindo de forma prudente, colocando acima dos seus interesses econômicos a preocupação em não enganar ou não permitir que se enganem os consumidores.”[6]
Nesse contexto, merece destaque também o papel do garoto-propaganda, caracterizado como uma pessoa contratada ou personagem fictício, criado com o fim de protagonizar campanhas de comunicação de uma determinada marca e dos seus produtos ou serviços, por determinado período de tempo.
Dentre as inúmeras atribuições de um garoto propaganda, destacam-se a celebridade, credibilidade e a seriedade. Exemplos disso são os casos do Tony Ramos pela Friboi, Carlos Moreno pela Bombril, Fátima Bernardes pela Seara, Lu da Magazine Luiza, Tony The Tiger pela Kellogg’s, Byron o cachorro da Crefisa e muitos outros.
A publicidade intermedia o potencial interesse do anunciante com o fortalecimento do consumo, adequando-se aos movimentos sociais e observando como o consumidor se vê e é visto na sociedade em que convive. Dessa forma, a estratégia do garoto-propaganda humaniza a marca, ao criar uma identificação de pessoas com outras pessoas, aproximando-a do consumidor, que passa a compartilhar dos mesmos sentimentos, valores e sensações.
Embora o garoto-propaganda afirme a qualidade e segurança do produto ou serviço oferecido, seja através da credibilidade que sua imagem passa, seja através da construção de uma identidade com a marca, não tem como assumir os riscos que o bem comercializado possa vir a trazer aos consumidores, haja vista que foge do seu controle o que ocorre em cada atividade da cadeia de produção que desencadeia no produto final, cabendo a ele, apenas, a aproximação do produto ou serviço ao consumidor final.
Considerações finais
Diante do exposto, restou evidente que os influenciadores assumem importante papel na formação de convicção e opinião do público consumidor, razão pela qual devem ter cautela produção de seu conteúdo, firmando sempre o seu compromisso com a verdade e boa-fé, que atenderá, por consequência, aos princípios da informação, transparência, confiança e proteção ao consumidor, anteriormente abordados.
Para tanto recomenda-se que busquem conhecer a marca e produto ou serviço para o qual estão emprestando sua imagem e credibilidade, ou veiculando em seus canais, recusando divulgar produtos e serviços sujeitos a regulação e que não tenham sido previamente submetidos ao órgão competente.
Ainda, é importante também seguir as disposições do Código de Defesa do Consumidor, o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária [7] e o “Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais”, fornecido pelo CONAR [8], além de estar bem assessorado(a) juridicamente, prevenindo ou auxiliando na resolução de conflitos que, por ventura, possam ter.
Não se pode perder de vista que entre as imagens e reputações dos influenciadores e dos titulares das marcas, produtos e serviços por eles expostos ocorrerá o empréstimo cruzado de credibilidade, razão pela qual fatos inerentes aos produtos e serviços, aos detentores das marcas, e aos influenciadores, poderão afetar a reputação uns dos outros.
Quanto aos expositores, recomenda-se estudar com antecedência a viabilidade da contratação de determinado influenciador, cuja imagem vinculada possa impactar positivamente o potencial consumidor, desencadeando o consequente aumento das vendas. Ao contar com influenciadores digitais, os fornecedores dos produtos e serviços devem ter em vista que os influenciadores atuarão como seus prepostos, e, portanto, a publicidade por eles feita obriga os fornecedores.
Por fim, ao consumidor, recomenda-se sempre pesquisar a origem do produto e serviço que busca adquirir, averiguando a credibilidade, qualidade, garantia e segurança da marca, assegurando-se que o ato da compra configure a exteriorização da sua plena manifestação da vontade de adquirir o bem escolhido, buscando, no entanto, orientação jurídica de qualidade, caso venha a sofrer com alguma violação ao Código de Defesa do Consumidor.
[1] https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/trabalho-e-formacao/2022/09/5031213-legiao-de-influenciadores-digitais-cresce-no-brasil.html
[2] https://www.statista.com/chart/24933/share-of-respondents-saying-they-purchased-something-because-of-influencers/
[3] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
[4] Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
[5] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 878
[6] GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam.2. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 223
[7] https://www.gov.br/secom/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/ca2digobrasdeautoregulanovo.pdf
[8] http://conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf