Beatriz Armani Calcina
Marcelo Domingues Pereira
Ciro José Callegaro
As redes sociais, como Instagram, Youtube, TikTok e outras plataformas, desenvolveram-se no mundo digital não só para fomentar o entretenimento, transformando-se em relevante fonte de publicidade para diversas empresas, suas marcas e produtos, de forma complementar aos outdoors e às mídias tradicionais, com indiscutível vantagem, já que o marketing digital explorado por meio de tais plataformas representa custos menores, também permitindo o perfilamento do público alvo, por meio do tratamento de dados de navegação de seus usuários.
Por tais razões, as redes sociais passaram a ser amplamente utilizadas pelas empresas em geral para exposição de suas marcas e produtos, seja por meio de peças publicitárias e linguagens próprias, seja por meio de perfis de terceiros, com suas linguagens específicas, nova classe de profissionais denominados “influenciadores digitais”, que buscam ficar em evidência por meio de views, likes e ganho de cada vez mais seguidores.
Não há dúvidas de que a Era Digital integra o desenvolvimento econômico contemporâneo e pode incrementar a venda de produtos, de modo que ignorar seus benefícios impõe riscos às atividades empresariais que podem se tornar ultrapassadas no que tange à inserção de seus produtos ou serviços no atual mercado.
Contudo, não somente os benefícios devem ser considerados no Marketing Digital, mas também eventuais prejuízos oriundos da liberdade de expressão e do perfil agressivo das mídias digitais, as quais são movidas por artistas e influenciadores digitais que não detêm conhecimento técnico necessário à minimização de riscos quanto a eventual uso indevido de imagem e direitos da personalidade, já que apontam seus interesses quase que exclusivamente para o ganho de seguidores.
Um dos principais pontos de atenção para as empresas que utilizam o Marketing Digital como forma de publicidade e propaganda reside no eventual abuso do direito de imagem propagado pelos influenciadores digitais ou agências especializadas, os quais eventualmente podem se valer de imagem, vídeos e músicas sem a obtenção de autorização por parte do autor/proprietário dos referidos conteúdos, fato que é reconhecido pelo Poder Judiciário como ato ilícito, podendo gerar contingências diversas, como condenações indenizatórias por danos morais e materiais, com fundamento nos artigos 12, caput, 186 e 927, do Código Civil.
O direito de imagem integra o gênero dos direitos da personalidade, sendo atribuído inerentemente a todos os cidadãos, motivo pelo qual é garantido de forma ampla pela legislação. O Código Civil prevê um capítulo específico para tratar acerca dos direitos da personalidade, ressaltando que estes são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária (artigo 11, do Código Civil), fato que fundamenta a especial atenção dada pela Poder Judiciário a esse tema.
Os artigos 20 e 21, do Código Civil, conferem grande importância aos direitos da personalidade, ressalvando, expressamente, que se não autorizado, é proibida a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa para fins comerciais, de modo que a interpretação teleológica da lei abrange como direitos da personalidade também o conteúdo midiático composto pela voz, danças, coreografias e músicas, como o caso de alguns conteúdos produzidos nos aplicativos “Instagram”, “Tiktok” e “Youtube”. A extensa abrangência dos direitos da personalidade já é prevista há muito tempo pela doutrina, conforme se observa pelo entendimento de Carlos Alberto Bittar:
“Consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto, etc.) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. […] A captação da imagem pode efetivar-se em quaisquer locais, privados ou públicos, e, nestes, sempre que houver destaque de uma pessoa ou de algum seu aspecto distintivo, a imagem não poderá ser usada sem anuência do interessado, respeitadas as limitações que se lhe impõem”[1].
Originariamente a grande importância conferida aos direitos da personalidade já era prevista pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, elevados ao status de direito e garantia fundamental, o qual, se violado, certamente configurará dever de indenizar de acordo com o entendimento jurisprudencial majoritário, razão pela qual ainda que as empresas contratem marketing especializado e terceirizado para promover produtos ou serviços nas redes sociais, as companhias não devem se eximir de supervisionar e fiscalizar as subcontratações dos influenciadores digitais, os quais efetivamente serão responsáveis pelo desenvolvimento e veiculação da publicidade da marca, tendo em vista que as partes responderão solidariamente em caso de abuso do direito, uso indevido de imagem e outros direitos personalíssimo.
Importante que os departamentos de marketing e jurídicos das empresas interessadas em se valer da publicidade digital, criem mecanismos de fiscalização das agências e influenciadores contratados para buscar seguidores, views e likes nas redes sociais, por meio da utilização de seus produtos e suas marcas, sob pena de virem a ser inadvertidamente incluídas em ações indenizatórias, assumindo os prejuízos com provisões e contingências diversas.
A certeza de que o abuso e uso indevido da imagem caracterizará solidariedade entre os influenciadores digitais, agências de marketing e as empresas interessadas em promover seus produtos e marcas no mundo digital, com o consequente dever de indenizar, não se pauta apenas em diretrizes legais e doutrinárias, mas principalmente no entendimento do Poder Judiciário, o qual, atualmente, não diferencia os hábitos e instrumentos que surgem frequentemente na mídia digital, considerando toda utilização de imagem e outros direitos personalíssimos como indevidos, caso não exista prévia e expressa autorização, tratando-se de aplicação literal da lei e dano moral in re ipsa (que não necessita de prova), conforme se constata do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça corroborado pela Súmula nº 403 desta Corte:
“Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa. Já o Colendo Supremo Tribunal Federal indicou que a ‘divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano’”[2]
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. DIREITO DE IMAGEM. VIOLAÇÃO. FOTOGRAFIA. PUBLICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DANO MORAL IN RE IPSA. SÚMULA Nº 403/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. 1. A violação do direito de imagem ocorre a cada publicação não autorizada, renovando-se o prazo prescricional a cada ato ilegítimo. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os danos morais em virtude de violação do direito de imagem decorrem de seu simples uso indevido, sendo prescindível, em casos tais, a comprovação da existência de prejuízo efetivo à honra ou ao bom nome do titular daquele direito, pois o dano é in re ipsa. (Súmula nº 403/STJ). 3. Em se tratando de indenização por danos morais decorrentes de responsabilidade contratual, os juros moratórios fluem a partir da citação. 4. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.[3]
“Súmula nº 403 – Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Todavia, a sociedade em constante transformação e relacionada diretamente ao âmbito digital, onde as transformações são muito mais rápidas e dinâmicas, demandam profundo acompanhamento sistêmico, institucional e social, a fim de que os casos que cheguem ao Poder Judiciário possam ser analisados individualmente e respeitadas suas peculiaridades, com o objetivo de não impor condenações que excedam a proporcionalidade e a razoabilidade.
Cite-se dois casos diferentes: primeiramente, a pessoa que divulga suas imagens e/ou produz conteúdo que envolva sua própria imagem, de forma pública, em aplicativos e ferramentas que informam que aquele determinado conteúdo será disponibilizado para toda rede de usuários – por exemplo, “Canva” e “Instagram” (no caso de perfil aberto ao público) – estando ciente de que as imagens inseridas nas mídias digitais podem ser acessadas por todos. E, outro caso, a pessoa que possui perfil particular e divulga imagens de cunho pessoal, como em âmbito familiar e íntimo, sem qualquer intenção de exposição pública.
Caso algum direito de personalidade de ambas as pessoas hipoteticamente consideradas acima seja utilizado indevidamente por um influenciador digital, sem autorização prévia e expressa, como meio para viabilizar o marketing digital, não poderiam e não devem os referidos casos serem analisados e julgados de forma idêntica, devendo ser avaliada a amplitude do direito de imagem em consonância com a anuência indireta da pessoa que optou por divulgar de forma pública seu conteúdo.
Assim, hoje, a defesa das empresas no caso de abuso e uso indevido do direito de imagem, bem como na transgressão de eventuais outros direitos personalíssimos, pode se tornar extremamente frágil, sendo estrategicamente mais favorável a adoção de medidas preventivas no caso do marketing digital, o qual muitas vezes acaba sendo realizado por empresas terceirizadas e não é previamente avaliado pelo fornecedor do produto e titular da marca veiculada nas redes sociais, concedendo-se ampla e arriscada liberdade ao influenciador digital, que trabalha com o único foco em manter-se sempre em evidência frente aos seus seguidores.
Sendo assim, recomenda-se às empresas e aos fornecedores que elaborem contratos com cláusulas específicas e detalhadas, evitando a redação genérica utilizada pelas agências de marketing, atribuindo responsabilidades de fiscalização dos atos praticados pelos influenciadores digitais, obrigação de obter autorização prévia para uso e veiculação de qualquer direito de personalidade e dados digitais. Da mesma forma, é aconselhável que o conteúdo elaborado pelo influenciador digital seja previamente apresentado para autorização de sua veiculação, a fim de que seja analisado pelas equipes de marketing e jurídica do fornecedor de produtos e serviços.
Considerando o dinamismo do marketing digital e eventuais dificuldades para empresas de grande porte quanto à aprovação de conteúdos em tempo razoável, recomenda-se que o fornecedor estipule à agência de marketing quais conteúdos podem ser veiculados, incluindo recomendações e protocolos, a fim de limitar a liberdade dos artistas e influenciadores digitais subcontratados.
Ademais, é recomendável que as empresas criem processos internos para a eleição de influenciadores digitais que fomentem os valores da empresa, exigindo observância ao código de conduta da empresa (enquanto preposto da marca), minimizando-se riscos de danos reputacionais e mídia negativa.
Deste modo, não há dúvidas de que a importância da internet e especialmente das redes sociais para o marketing de marcas, produtos e serviços está cada vez maior, trazendo benefícios e facilidades para o empresário e empreendedor, o qual encontrou uma forma de publicidade mais barata e eficiente através do Marketing Digital. Entretanto, a produção de conteúdo publicitário envolvendo terceiros demanda cautela, evitando prejuízos financeiros e reputacional aos fornecedores de produtos e serviços, os quais podem ser colocados em posições juridicamente vulneráveis caso suas marcas venham a ser atreladas a algum uso indevido de imagem, de dados digitais e outros direitos personalíssimos.
[1] “Os Direitos da Personalidade”, Editora Forense Universitária, 1989, p. 87 e 91.
[2] STJ -REsp n.138.883/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, 3ª Turma j. 04/08/1998, in DJ 05/10/1998, p. 76.
[3] EDcl no AgInt no AREsp n. 1.177.785/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 30/03/2020.