Suzana Martins Sandoval de Mattos
Formalmente, as Assembleias podem ser realizadas e registradas a qualquer tempo, entretanto, a não observância do prazo legal pode acarretar sanções aos administradores e à própria Companhia, sobretudo para as Companhias Abertas, em virtude do princípio da ampla transparência.
A Lei 6.404/76, popularmente conhecida como lei das S/A, estabelece em seu artigo 132 que:
Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) Assembléia-Geral para:
I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167).
Em virtude desta disposição, muito já se discutiu a respeito das consequências da realização da Assembleia Geral Ordinária posteriormente ao prazo ali estabelecido, a seguir denominada simplesmente ‘AGO Tardia’, tendo havido no passado, inclusive, recusa dos órgãos de registro do comércio (Juntas Comerciais) em arquivar as atas das Assembleias Gerais Ordinárias realizadas após o decurso dos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, com base em argumentação sobre suposta alteração da espécie de assembleia – que deixaria de ser ordinária e passaria a ser extraordinária – em caso de realização tardia. Entretanto, em relação a estes dois pontos, a discussão já se encontra pacificada.
De um lado, foi considerada ilegal a recusa de arquivamento pelas Juntas Comerciais, cujos manuais de registro, inclusive em orientação aos vogais e assessores, passaram a prever expressamente que “é admissível o arquivamento da ata de assembleia geral ordinária realizada fora do prazo legal“[1].
De outro, prevaleceu o quanto estatuído pela própria lei das S/A, em seu artigo 131, o qual estabelece expressamente que a Assembleia Geral é considerada ordinária em razão da matéria objeto de deliberação, deixando de fazer qualquer vinculação ao prazo de sua realização:
Art. 131. A assembléia-geral é ordinária quando tem por objeto as matérias previstas no artigo 132, e extraordinária nos demais casos.
Não obstante, dúvidas não há de que a não observância do prazo legal pode acarretar sanções aos administradores e à própria Companhia, sobretudo para as Companhias Abertas, em virtude do princípio da ampla transparência (full disclosure) e rigorosos procedimentos a que estão submetidas, sob a regulamentação e fiscalização da CVM.
Os administradores, conforme previsão constante do § 2º, do artigo 158 da lei das S/A, são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia. Nesse passo, considerando que a convocação da Assembleia Geral prevista no artigo 132 integra os atos de competência legal dos administradores (arts. 138 e 142, inciso IV da lei das S/A), estes podem vir a ser responsabilizados pelos prejuízos decorrentes do atraso na convocação e realização da assembleia e na preparação dos documentos da administração.
Esta responsabilização pode se dar tanto nas Companhias Abertas quanto nas Companhias Fechadas, embora nesta segunda espécie isso não seja tão comum, seja em virtude da proximidade e, muitas vezes, coincidência entre as pessoas dos acionistas e dos administradores, seja em razão da não verificação de prejuízo efetivo aos envolvidos.
Nas Companhias Abertas, por outro lado, a responsabilização não está restrita à ação de que trata o artigo 159 da lei das S/A, mas também e principalmente ao poder de fiscalização e punição conferido à Comissão de Valores Mobiliários pela lei 6.385/76, cujo artigo 11, em conjunto com o artigo 60 da Instrução CVM 480/09 (conforme alteradas), estabelecem o seguinte:
Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades:
I – advertência;
II – multa;
III – suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários;
IV – inabilitação temporária, até o máximo de vinte anos, para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior;
V – suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata esta Lei;
VI – cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior.
VI – cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de que trata esta Lei;
VII – proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários;
VIII – proibição temporária, até o máximo de dez anos, de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários.
(…) § 3º Ressalvado o disposto no parágrafo anterior, as penalidades previstas nos incisos III a VIII do caput deste artigo somente serão aplicadas nos casos de infração grave, assim definidas em normas da Comissão de Valores Mobiliários.
Instrução CVM nº 480/09
Art. 60. Constitui infração grave para os efeitos do § 3º do art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976:
I – a divulgação ao mercado ou entrega à CVM de informações falsas, incompletas, imprecisas ou que induzam o investidor a erro;
II – a inobservância reiterada dos prazos fixados para a apresentação de informações periódicas e eventuais previstas nesta instrução; e
III – a inobservância do prazo fixado no art. 132 da Lei nº 6.404, de 1976, para a realização da assembleia geral ordinária.
É importante ressalvar que, em razão dos impactos decorrentes da pandemia do novo coronavírus, foi editada a Medida Provisória nº 931/2020, convertida na Lei 14.030/2020, que prorrogou o prazo de realização das AGO no ano de 2020 ao estabelecer em seu artigo 1º que “A sociedade anônima cujo exercício social tenha sido encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 poderá, excepcionalmente, realizar a assembleia geral ordinária a que se refere o art. 132 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 , no prazo de 7 (sete) meses, contado do término do seu exercício social.”
Assim sendo, atualmente não há maiores controvérsias sobre a possibilidade de arquivamento da AGO Tardia nas Juntas Comerciais, assim como a respeito da manutenção do caráter de ordinária sempre que se deliberar sobre as matérias indicadas no artigo 132 da lei das S/A. Contudo, nas Companhias Fechadas, a AGO tardia pode implicar na responsabilização dos administradores, se vier a acarretar prejuízo ao patrimônio da Companhia ou se prejudicar terceiros diretamente (art. 159 caput e § 7º da lei das S/A), tratando-se, pois, de responsabilidade subjetiva que depende da prova do prejuízo. Já os administradores das Companhias Abertas, além de também se sujeitarem às disposições do referido artigo 159, respondem objetivamente perante a CVM, nos termos dos artigos 11 da lei 6.385/76 e 60 da Instrução CVM 480/09.
[1] Conforme item 6, do Anexo V – S/A, da Instrução Normativa nº 81 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), de 10/06/2020 e alterações posteriores.